segunda-feira, setembro 13

As Mineiras


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais,
como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!
Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato
doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?
Assino achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou
por engano, só pelo sotaque.
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem,
sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem:
pode parar, dizem: pó parar").
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada
e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando
- apenas de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente
em tal ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz de direito ou um jogador de futebol.
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar
pra outra: "cê tá boa?"
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá
boa é desnecessário.
Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém
consegue nada. Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.
Esse "aqui" é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de
qualquer frase.
É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão
lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá, me escutem,
por favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do
interlocutor.
Mineiras não dizem "apaixonado por".
Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com" Soa engraçado aos
ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".
Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro,
um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.
Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um
tal de "bonitim", "fechadim" , e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?".
Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma
mineira. Não ouvirá nunca.
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas
prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
No supermercado, não faz muitas compras, ele compra "um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto de gente".
Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando" [aliás,
"garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar
com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura
o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.
Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se
fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".
Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!
Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer
dizer "cê acha que eu faço isso"? com algumas toneladas de ironia...
Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê"
Entendeu? Não? Deixa para lá.
É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou
não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.
Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?".
Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".
A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?
Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.
É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...
Falando em "ei...".
As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi" .
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de
exclamação, a depender da saudade...
Tem tantos outros...
O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um
problema. Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares
das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra,
não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas...
Que' s côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.
Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará :
Ele pôs a culpa "ni mim".
A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou: "prôcupa não, bobo!".
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras,
nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim.
A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...


Carlos Drummond de Andrade

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